Por US$ 120 milhões, índios da etnia Mundurucu venderam a uma empresa estrangeira direitos sobre uma área com 16 vezes o tamanho da cidade de São Paulo em plena floresta amazônica, no município de Jacareacanga, no Pará. O negócio garante à empresa 'benefícios' sobre a biodiversidade, além de acesso irrestrito ao território indígena. No contrato, os índios se comprometem a não plantar ou extrair madeira das terras nos 30 anos de duração do acordo. Qualquer intervenção no território depende de aval prévio da Celestial Green Ventures, empresa irlandesa que se apresenta como líder no mercado mundial de créditos de carbono.
Sem regras claras, esse mercado compensa emissões de gases de efeito estufa por grandes empresas poluidoras, sobretudo na Europa, além de negociar as cotações desses créditos. Na Amazônia, vem provocando assédio a comunidades indígenas e a proliferação de contratos nebulosos semelhantes ao fechado com os Mundurucu. A Fundação Nacional do Índio (Funai) registra mais de 30 contratos nas mesmas bases.
Só a Celestial Green afirmou à reportagem ter fechado outros 16 projetos no Brasil, que somam 200 mil quilômetros quadrados. Isso é mais de duas vezes a área de Portugal ou quase o tamanho do Estado de São Paulo. A terra dos Mundurucu representa pouco mais de 10% do total contratado pela empresa, que também negociou os territórios Tenharim Marmelos, no Amazonas, e Igarapé Lage, Igarapé Ribeirão e Rio Negro Ocaia, em Rondônia.
'Os índios assinam contratos muitas vezes sem saber o que estão assinando. Ficam sem poder cortar uma árvore e acabam abrindo caminho para a biopirataria', disse Márcio Meira, presidente da Funai, que começou a receber informações sobre esse tipo de negócio em 2011. 'Vemos que uma boa ideia, de reconhecer o serviço ambiental que os índios prestam por preservar a floresta, pode virar uma pilantragem'. 'Temos de evitar que oportunidades para avançarmos na valorização da biodiversidade disfarcem ações de biopirataria', reagiu a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira.
O contrato dos Mundurucu diz que os pagamentos em dólares dão à empresa a 'totalidade' dos direitos sobre os créditos de carbono e 'todos os direitos de certificados ou benefícios que se venha a obter por meio da biodiversidade dessa área'. Territórios indígenas estão entre as áreas mais preservadas de florestas tropicais. Somam mais de 1 milhão de quilômetros quadrados e a maioria deles está na Amazônia. Para empresas que trabalham com mecanismos de crédito de carbono, criado entre as medidas de combate ao aquecimento global, as florestas são traduzidas em bilhões de toneladas de gases-estufa estocados e cifras agigantadas em dólares.
Benedito Milléo Junior, agrônomo que negocia créditos de carbono de comunidades indígenas, estima em US$ 1 mil o valor do hectare contratado. A conta é feita com base na estimativa de 200 toneladas de CO2 estocada por hectare, segundo preço médio no mercado internacional. Milléo diz ter negociado 5,2 milhões de hectares, mais que o dobro do território dos Mundurucu. Nesse total está contabilizado o território indígena Trombetas-Mapuera (RR), que fechou contrato com a empresa C-Trade, que também atua no mercado de crédito de carbono. Segundo ele, a perspectiva é de crescimento desse mercado.
Agência Estado
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